Segundo dados do IBGE, o Rio de Janeiro é a cidade brasileira com o maior percentual de sua popula??o vivendo em favelas: 22,03%, o que corresponde a mais de 1,3 milh?o de pessoas. Apesar de representar uma expressiva fatia da popula??o, a favela está frequentemente associada ao lugar do “outro”: espa?o do caos, da carência, da precariedade e do perigo, representa??o social repleta de valores que amea?am a paz na cidade, intensificada a partir dos anos 1990 e sintetizada pelo jornalista Zuenir Ventura em seu livro Cidade Partida.
De acordo com Jailson de Souza e Silva, doutor em sociologia e fundador do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro, a valoriza??o das pretensas ausências e a imagem homogeneizante das favelas têm um pressuposto fundamental no sociocentrismo, quando padr?es de vida, valores e cren?as de um determinado grupo social s?o tomados como referência, colocando outros grupos em posi??o hierarquicamente inferior. Assim, foi na busca de um outro tipo de representa??o possível para as favelas que nasceu o projeto Favelagrafia.
Lan?ado em 2016, o Projeto Favelagrafia é formado por nove fotógrafos, de nove diferentes favelas do Rio de Janeiro, que fotografam suas comunidades e, desde ent?o, postam as imagens em uma conta no Instagram (), hoje com mais de 40 mil seguidores.
Nas imagens produzidas pelo Favelagrafia, algumas temáticas aparecem com mais frequência, indicando um olhar compartilhado pelos fotógrafos do projeto. Cristo Redentor, Praia de Ipanema e Pedra da Gávea s?o retratados a partir do ponto de vista das favelas, e n?o do “asfalto”, o que nos leva a refletir sobre por que tais ?ngulos nos parecem t?o “inusitados”.
Frequentes também s?o as imagens que retratam o horizonte arquitet?nico das favelas, assumindo como belas as características espaciais destes territórios, em geral representadas pela mídia como “caos” e falta de planejamento urbano: uma estratégia de invers?o do olhar da ausência para o olhar da potência.
O dia a dia dos moradores também se mostra uma inspira??o fortemente presente: pessoas circulando pelas ruas estreitas e movimentadas das favelas, crian?as soltando pipa, jogando futebol, andando de bicicleta, o colorido dos varais repletos de roupas secando, a tranquilidade dos gatos dormindo na soleira das portas, jovens músicos e bailarinos exibindo sua arte. Registros que nos levam a pensar sobre o valor dos dias “comuns”, quando a vida pode simplesmente se desenrolar sem a interrup??o da violência.
No conjunto das imagens, o que salta aos olhos é a multiplicidade: de espa?os, trajetórias, modos de vida, gostos e costumes. Favelagrafia n?o nos oferece uma resposta sobre o que é “a” favela ou quem é “o” morador da favela, pois o uso do singular seria aqui produto de uma vis?o estereotipada e reducionista. Favelagrafia ilumina nosso olhar para a infinidade de quotidianos e vidas possíveis, seja nas favelas ou em qualquer outro lugar. Essa é a beleza do projeto.
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Foto: Saulo Nicolai / Favelagrafia